GPF ADVOGADOS

Medidas executivas atípicas e o impacto no processo civil brasileiro

Apesar de o Código de Processo Civil de 2015 trazer avanços significativos na fase de execução, muitos credores ainda enfrentam dificuldades para receber o que lhes é de direito. Os meios típicos de execução nem sempre se mostram eficazes. Por isso, o próprio CPC trouxe, em seu artigo 139, inciso IV, uma alternativa criativa e poderosa: as medidas executivas atípicas.

Mas o que isso significa, na prática? O juiz pode apreender o passaporte de um devedor? Suspender sua CNH? Imputar juros progressivos?

Neste artigo, explicamos como essas medidas funcionam, quais são seus limites e o que diz a jurisprudência sobre o tema.

O que são medidas executivas atípicas?

O artigo 139, IV do CPC autoriza o juiz a adotar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”. Na prática, isso permite às partes e ao magistrado agir com criatividade para garantir o cumprimento das decisões judiciais – inclusive quando se trata de cobranças pecuniárias.

Segundo o jurista Cassio Scarpinella Bueno, trata-se de uma regra que permite ao juiz adaptar os meios executivos conforme as particularidades de cada caso. Ou seja, não estamos presos apenas ao bloqueio de contas, penhora de bens ou protestos. Há espaço para soluções mais eficazes.

Tipos de medidas atípicas e como funcionam:

1. Coercitivas: forçando o devedor a agir

Essas medidas visam pressionar o devedor, por meio de incômodos pessoais, para que ele cumpra sua obrigação. A suspensão da CNH, a apreensão do passaporte ou a imposição de juros progressivos são exemplos clássicos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já validou essas medidas, desde que respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Exemplo prático: se o devedor ostenta padrão de vida incompatível com a alegada insolvência, com viagens internacionais, pode-se suspender seu passaporte para induzi-lo a pagar a dívida.

2. Indutivas: recompensando o adimplemento

As medidas indutivas têm uma pegada mais positiva: funcionam como “prêmios” para incentivar o cumprimento da obrigação. Um exemplo está no art. 90, § 3º, do CPC, que estabelece que, se houver acordo antes da sentença, as partes ficam isentas de custas remanescentes. Trata-se de estímulo ao cumprimento espontâneo da obrigação.

3. Mandamentais: ordens diretas do juiz

Aqui, o juiz emite uma ordem clara para que o devedor faça ou se abstenha de fazer algo. Essa medida é mais comum em obrigações de fazer ou não fazer, especialmente nas que não admitem substituição por terceiros. Se descumprida, pode gerar responsabilização criminal por desobediência.

4. Sub-rogatórias: o juiz age no lugar do devedor

Se o devedor não cumpre, o juiz (ou alguém designado) pode agir em seu lugar. Exemplos: emissão de alvarás, nomeação de interventores, busca e apreensão de bens, e até mesmo alienação de imóveis. Nesses casos, não é necessária a participação ativa do devedor — apenas sua não obstrução.

Quais são os limites dessas medidas?

Embora o juiz tenha certa liberdade, ela não é irrestrita. A aplicação das medidas atípicas exige cautela, obediência ao contraditório, fundamentação detalhada e observância de princípios constitucionais, como:

· Proporcionalidade e razoabilidade;

· Menor onerosidade para o devedor (art. 805 do CPC);

· Eficiência e efetividade do processo.

Além disso, o STJ já decidiu que tais medidas só devem ser usadas após o esgotamento das opções típicas, como bloqueio via SisbaJud, penhora de bens etc. (REsp 1.864.190). Também é exigido o contraditório, ainda que diferido.

Como caminha o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)?

A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) demonstra uma clara tendência de resistência por parte dos magistrados paulistas em deferir medidas como a suspensão da CNH, apreensão de passaporte e bloqueio de cartões de crédito. A justificativa recorrente nos acórdãos é a suposta desproporcionalidade ou a natureza meramente punitiva dessas providências, sem, contudo, apresentar fundamentação concreta que comprove a ineficácia ou inadequação da medida no caso específico.

Decisões proferidas destacam que tais medidas não asseguram, de forma direta, a efetividade da execução e podem violar direitos fundamentais, como o de locomoção. Além disso, tem-se sustentado que a adoção dessas providências deve ocorrer apenas em situações excepcionais, quando restar comprovada sua necessidade e adequação.

No entanto, essa interpretação, muitas vezes, ignora o real objetivo das medidas atípicas: induzir o devedor ao cumprimento da obrigação, sobretudo quando há indícios de ocultação de patrimônio ou resistência deliberada. Doutrinadores como Marcelo Abelha Rodrigues reforçam essa perspectiva, destacando que tais medidas, quando bem fundamentadas e proporcionalmente aplicadas, podem ser instrumentos legítimos de coerção, sem que isso configure violação de direitos constitucionais.

Portanto, embora a jurisprudência do TJSP revele uma postura cautelosa – e por vezes conservadora – na aplicação do art. 139, IV, do CPC, é essencial que a análise judicial leve em conta as particularidades do caso concreto e a real utilidade da medida na efetivação do direito do credor, evitando decisões padronizadas e infundadas.

O que diz o STF sobre a constitucionalidade?

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5941, reconheceu a constitucionalidade do artigo 139, IV do CPC. Ou seja, desde que respeitados os direitos fundamentais, o juiz pode aplicar medidas coercitivas não previstas expressamente na lei.

Conclusão: Justiça com criatividade e limites

O CPC/2015 trouxe uma importante inovação ao permitir que o juiz aja com criatividade na execução, aumentando a efetividade sem abrir mão da segurança jurídica. As medidas executivas atípicas são ferramentas úteis e, por vezes, indispensáveis para combater a inadimplência estratégica e a ocultação de patrimônio.

Contudo, sua aplicação exige firmeza com responsabilidade, respeitando os direitos do devedor, o contraditório e os limites legais. Assim, o desafio está justamente no equilíbrio entre garantir o crédito e preservar a dignidade da pessoa humana.

Nosso escritório está preparado para orientar e atuar em temas relacionados a medidas atípicas de execução nos casos em que há dificuldades para receber créditos judiciais.

Por Carolina Sousa

VEJA TAMBÉM