Como se proteger juridicamente quando o devedor se desfaz de seus bens com o intuito de prejudicar o cumprimento das obrigações?
No universo das relações patrimoniais e obrigacionais, a preservação da segurança jurídica e da boa-fé objetiva impõe a necessidade de mecanismos que evitem a dissipação maliciosa do patrimônio por parte do devedor em prejuízo de seus credores.
Dentre esses mecanismos, destacam-se dois institutos cuja compreensão é essencial: a fraude à execução e a fraude contra credores.
Ambos se prestam a coibir a prática de atos que busquem frustrar o adimplemento de obrigações, mas possuem natureza jurídica, pressupostos e consequências absolutamente distintas, o que exige atenção cuidadosa por parte da doutrina, jurisprudência e operadores do direito.
A fraude à execução encontra disciplina no art. 792 do Código de Processo Civil e se caracteriza como o ato de alienar ou onerar bens quando já existe uma demanda judicial em andamento, capaz de comprometer a solvência do devedor.
A jurisprudência reconhece a presunção absoluta de má-fé do devedor e do terceiro adquirente, nos casos em que há citação válida em ação judicial ou, ainda, registro da pendência de demanda judicial no competente registro de imóveis, veículos ou outros bens sujeitos a registro público, tornando o ato ineficaz em relação ao credor, ainda que não haja conluio entre as partes.
A natureza objetiva da fraude à execução, que dispensa prova da má-fé do adquirente, justifica-se pela necessidade de assegurar a efetividade do direito de crédito e a autoridade das decisões judiciais, protegendo a utilidade do processo.
Tem-se, assim, que a consequência jurídica da fraude à execução não é a nulidade ou anulabilidade do negócio celebrado entre devedor e terceiro adquirente, mas sim, a sua ineficácia relativa em relação ao credor prejudicado, garantindo possa alcançar o bem que, de outro modo, lhe seria subtraído por manobra desleal.
Já a fraude contra credores encontra disciplina nos arts. 158 a 165 do Código Civil. Trata-se de hipótese em que o devedor, ainda que não demandado judicialmente, pratica atos de disposição de bens com o intuito de reduzir ou inviabilizar a satisfação das obrigações assumidas, prejudicando seus credores.
A distinção fundamental em relação à fraude à execução reside na ausência de demanda judicial no momento da alienação dos bens.
Aqui, não se presume a má-fé: ao contrário, ela deve ser demonstrada por quem busca a desconstituição do negócio, tanto no que diz respeito à conduta do devedor quanto ao conhecimento da situação pelo terceiro adquirente, salvo nas hipóteses de atos gratuitos, como doações, nos quais a má-fé do beneficiário é presumida.
A fraude contra credores enseja a propositura da chamada Ação Pauliana, cuja natureza é desconstitutiva. Ao contrário da fraude à execução, que pode ser arguida incidentalmente, a fraude contra credores exige ação própria e respeita o prazo decadencial de 4 (quatro) anos, nos termos do art. 178 do Código Civil.
O reconhecimento da fraude tem como efeito a anulação do ato praticado, com eficácia ex tunc, ou seja, retroativa à data de sua celebração, viabilizando a reintegração do bem ao acervo do devedor e a satisfação do crédito pelo credor.
Do ponto de vista sistemático, observa-se que ambos os institutos visam combater o esvaziamento fraudulento do patrimônio do devedor, mas o fazem sob fundamentos distintos.
Enquanto a fraude à execução se ancora na tutela da jurisdição e da efetividade das decisões judiciais, a fraude contra credores protege o direito de crédito e a boa-fé nas relações negociais. A primeira opera com base na presunção absoluta e produz ineficácia relativa; a segunda, por sua vez, exige prova da má-fé e produz a anulabilidade do ato.
Além disso, a fraude à execução pressupõe uma situação processual já em curso, ao passo que a fraude contra credores pressupõe a ausência de litígio, sendo cabível inclusive em hipóteses de dívida ainda não vencida, desde que demonstrada a intenção de lesar os credores.
Conhecer e saber distinguir corretamente essas duas figuras é essencial não apenas para a adequada aplicação dos remédios jurídicos disponíveis, como também para a preservação da confiança nas relações negociais.
Em tempos de alta litigiosidade e instabilidade econômica, o conhecimento técnico desses institutos é indispensável para prevenir abusos e assegurar que o ordenamento jurídico cumpra seu papel de equilíbrio e proteção das legítimas expectativas entre os sujeitos de direito.
Nosso escritório está preparado para orientar e atuar em demandas envolvendo fraudes praticadas por devedores, com análise técnica e fundamentação jurídica adequada.