Teletrabalho no Brasil

No final de março de 2022, foi publicada a Medida Provisória 1.108/22, que alterou as normas referentes ao teletrabalho. Após ser prorrogada e aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a MP foi transformada em lei, em setembro de 2022.

Por isso, separamos aqui os principais pontos da Lei nº 14.442/2022 e quais medidas devem ser tomadas pelas empresas e seus empregados para se adequarem ao trabalho remoto.

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I. HISTÓRICO DO TELETRABALHO NO BRASIL

Antes de 2017Tempo obscuro sem legislação sobre trabalho remoto.

Antes da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017), não existia previsão legal acerca do teletrabalho, de modo que era necessário acompanhar constantemente a jurisprudência da justiça trabalhista sobre o tema.

2017 – Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) Introdução de capítulo com dispositivos sobre teletrabalho na CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.

Com a Reforma Trabalhista, a lei passou a prever algumas disposições sobre como deveria ocorrer o teletrabalho, fornecendo uma base para a elaboração de um contrato de trabalho remoto. No entanto, o capítulo sobre teletrabalho trazido pela Reforma Trabalhista não foi suficiente para esclarecer todas as dúvidas:

• Como fica o vale transporte?
• O que é o teletrabalho?
• Quem paga as despesas do empregado que passa a trabalhar em regime de teletrabalho?
• Estagiário pode trabalhar em regime de teletrabalho? E jovem aprendiz?
• Teletrabalho ou trabalho remoto?

2022 – Lei nº 14.442/2022 – Alterações na legislação de teletrabalho prevista na CLT.

A Lei nº 14.442, de 2 de setembro de 2022, resolveu alguns dos pontos que estavam em aberto. Por exemplo, esclareceu que ambos os nomes teletrabalho e trabalho remoto são válidos.

A nova lei decorre da Medida Provisória 1.108/22, publicada no final de março de 2022.

II. TELETRABALHO É CLT!

Teletrabalho se aplica unicamente às contratações regidas pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), entre empregado e empregador. Não vale para contratações de prestação de serviços no formato pessoa jurídica.

• Mas qual é a diferença entre a contratação no formato CLT e PJ?

Primeiramente, importante esclarecer que a CLT é aplicada nos casos em que há vínculo empregatício entre as partes. Para a caracterização desse vínculo, são necessários alguns requisitos:

PESSOALIDADE: o trabalho executado por uma determinada pessoa só pode ser executado por ela;
SUBORDINAÇÃO: existência de um efetivo controle das atividades a serem executadas e como elas devem ser executadas;
HABITUALIDADE: entende-se que o trabalho feito é rotineiro;
ONEROSIDADE: o trabalho é executado mediante pagamento; e
ALTERIDADE: o empregador tem todos os riscos do trabalho executado por seus empregados.

A relação entre uma empresa e um colaborador não se aproxima de uma relação de emprego quando se entende que o prestador de serviços, seja ele autônomo ou não, tem completa autonomia para determinar os trabalhos que irá executar e tem para si os riscos da sua atividade. Neste caso, é mais adequado que ele seja contratado como autônomo ou pessoa jurídica, e não como celetista.

Eventualmente, há a possibilidade de que o contrato seja por PJ, pois existe na lei um permissivo legal disposto no art. 129 da Lei nº 11.196/2005. Para a sua aplicação, é necessário estudar caso a caso, havendo necessidade, muitas vezes, de reestruturação societária para adequar e atenuar os riscos que tal contrato possa gerar.

No formato PJ, a contratação se dá mediante a celebração de contrato de prestação de serviços entre duas pessoas jurídicas distintas, a contratada e a contratante.

• Qual é a melhor forma de contratação no trabalho remoto?

Depende da relação firmada entre a empresa e o prestador de serviço ou empregado, isto é, se for simplesmente uma colaboração por projeto e se o prestador de serviços prestar serviços para mais de uma empresa, é mais adequado que o prestador de serviços seja autônomo ou PJ, pois se entende que não há os principais requisitos para a formação do vínculo empregatício.

III. DIFERENÇA ENTRE TELETRABALHO E TRABALHO EXTERNO

1) Teletrabalho

Teletrabalho é a realização de um trabalho que poderia ser realizado nas dependências da empresa, mas que está sendo realizado fora das dependências da empresa, seja em casa, no hotel, café, coworking etc., de forma preponderante ou não (art. 75-B da CLT).

• O que isso significa?

Antes, era necessário que o empregado comparecesse na empresa, no máximo, duas vezes na semana, de modo que o teletrabalho fosse preponderante em relação ao trabalho realizado nas dependências da empresa.

A nova lei alterou essa condição para prever que o regime de teletrabalho poderá ser preponderante ou não, de modo que o empregado poderá trabalhar nas dependências da empresa de forma habitual, sem descaracterizar o modelo, devendo ser aplicado, pelas partes, o critério da razoabilidade para definição do número de dias em que o empregado deverá trabalhar de forma presencial (§ 1º do art. 75-B da CLT).

• Então o que se tornou obrigatório no teletrabalho?

A aplicação de ferramentas de comunicação e de trabalho que utilizem a tecnologia (art. 75-B, §§ 3º e 5º, da CLT), a não caracterização das atividades como trabalho externo (art. 75-B ), e a previsão expressa no contrato de trabalho da modalidade de teletrabalho (art. 75-C, CLT).

2) Trabalho Externo

O trabalho externo são as atividades que, necessariamente, devem ser realizadas fora das dependências da empresa. Ex.: representante de vendas, vendedores, motoristas etc.

Essa modalidade de trabalho está prevista no art. 62, inciso I, da Consolidação das Leis Trabalhistas, da seguinte forma:

“Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;“

Importante: A Lei nº 14.442/2022 trouxe, de forma expressa, que atividades de call center, telemarketing ou de teleatendimento não entram no regime de teletrabalho, e sim de trabalho externo (§ 4º do art. 75-B, CLT).

IV. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO TELETRABALHO!

1) Vale Alimentação / Vale Transporte

• Vale transporte
As regras sobre vale transporte não mudaram. Somente será obrigatório o fornecimento pelo empregador naquelas oportunidades em que o empregado precisar trabalhar nas dependências da empresa.

Vale alimentação
O vale alimentação não poderá ser substituído por benefícios, devendo ser utilizado para despesas com alimentação. O empregador é responsável por fornecer e exigir que o empregado utilize o vale alimentação exclusivamente com alimentação (arts. 2º, 3º 4º e 5º da Lei nº 14.442/22).

2) Jornada, Produção ou Tarefa – Controle de Horas

Controle por jornada:
Mesmo controle do presencial – controlar o horário que o empregado entra, faz intervalo e sai (art. 75-B, § 2º, da CLT).

• E como ficam as horas extras?

No modelo de controle por jornada, em que há o controle das horas trabalhadas pelo empregado, bem como dos horários de entrada e saída e intervalo, há pagamento de horas extras, pois a remuneração é baseada em horas trabalhadas.

Controle por Produção ou Tarefa:
Medir o trabalho pelas produção ou tarefas e demandas que o empregado está entregando (arts. 62 e 75-B, § 3º, da CLT). Não devem ser utilizadas ferramentas que controlem o horário em que o empregado está trabalhando. Na definição das tarefas dos empregados, deverá o empregador utilizar, novamente, o critério da razoabilidade, não podendo exigir tarefas ou produção que a média dos empregados demorariam mais de 8 horas diárias para realizar.

• E como ficam as horas extras?

No modelo de controle de tarefas, a remuneração deve ser baseada em produtividade, e não em horas trabalhadas. Não há nesse caso o controle de horas, mas o tempo total de produção ou tarefas não podem exceder as 8 (oito) horas diárias, sob pena de o empregado poder pleitear o direito a horas extras.

3) Estágio e Jovem Aprendiz

A legislação do teletrabalho, dentro da CLT, é aplicável a estagiários e jovens aprendizes, conforme prevê o § 6º do artigo 75-B da CLT:

“Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.
(…)
§ 6º Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes.”

4) Retorno ao Trabalho Presencial (residência diferente)

• Alteração do regime para Teletrabalho

Conforme dispõe o art. 75-C e parágrafos da CLT, os requisitos para a mudança do regime para o trabalho remoto são: (i) anuência do empregado; (ii) período de transição mínima de 15 (quinze) dias; e (iii) termo aditivo do contrato de trabalho.

Na alteração de regime para teletrabalho, não há uma regra acerca da responsabilidade pelos custos da mudança, de modo que cabe à empresa e ao empregado definir, expressamente, no contrato de trabalho ou no termo aditivo do contrato de trabalho quem ficará responsável por arcar com os custos com eletricidade, notebook, internet, telefone, despesas reembolsáveis e quaisquer outros gastos que o empregado venha a ter com a mudança do regime de trabalho (art. 75-D, CLT). Tais despesas não integram a remuneração do empregado.

Recomenda-se que o empregador firme termo de responsabilidade com o empregado, estabelecendo as hipóteses em que cada parte será responsável pelos danos eventualmente causados aos equipamentos e materiais disponibilizados pelo empregador para o teletrabalho.

• Retorno ao Trabalho Presencial (residência diferente)

No retorno ao trabalho presencial, é necessário um período de 15 dias para alternar entre teletrabalho e trabalho presencial, além da alteração do contrato de trabalho, sendo o empregador responsável pelos custos de retorno do teletrabalho ao presencial, desde que o empregado não tenha mudado sua residência sem prévio acordo com o empregador.

Desse modo, o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese do empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato que exceda às previsões de vale-transporte previstos na CLT, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes (art. 75-C, § 3º, CLT).

5) Localidades diversas – qual lei se aplica?

• Localidades diversas dentro do Brasil

A lei aplicável é a lei do local onde está estabelecido o estabelecimento comercial que consta no contrato de trabalho, seja da sede ou de filial (art. 75-B, § 7º, da CLT).

Ex.: Empresa com sede em São Paulo/SP e com filial em Belo Horizonte/MG. Se o empregado residir em Campo Grande/MS e no contrato de trabalho constar que trabalha para a filial da empresa de Belo Horizonte/MG, a legislação aplicável será a de Minas Gerais.

• E se o empregado for estrangeiro ou estiver trabalhando de fora do Brasil?

Nesse caso, aplicar-se-á a lei brasileira (art. 75-B, § 8º, da CLT).

6) Preferência – deficientes e pais com criança até 4 anos

Caso a empresa tenha vagas disponíveis para trabalho em regime de teletrabalho, é obrigatório que estas vagas sejam oferecidas, preferencialmente, para pessoas portadoras de deficiência, que sejam pais ou que possuam guarda de crianças com até 4 anos de idade (art. 75-F, CLT).

O empregado que se enquadrar nessas características poderá exigir que seu trabalho seja realizado na modalidade de teletrabalho.

V. OUTROS PONTOS

• Horários e Modo de comunicação

A Lei estabelece que o contrato de teletrabalho deverá prever os horários e o modo de comunicação entre empregado e empregados. Ex.: Skype, Whatsapp, Discord ou outras ferramentas de comunicação (art. 75-B, § 9º, da CLT).

• Contrato de Teletrabalho

Considerando que, por se tratar de tema recente, muitas das questões sobre teletrabalho ainda não estão previstas pela lei ou jurisprudência, é importante que o contrato de teletrabalho seja bem-feito, de preferência com o auxílio de escritório de advocacia com equipe especialista em direito trabalhista e preparada para lidar com a transição para o teletrabalho, de modo que estes pontos sejam tratados no contrato entre empregado e empregado, reduzindo o risco de eventuais conflitos.

• Instrução aos empregados sobre precaução de doenças e acidentes de trabalho

O art. 75-E da CLT prevê a obrigação de o empregador instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas a fim de se evitar doenças e acidentes de trabalho no âmbito do teletrabalho.

Assim, não apenas recomenda-se, mas também a lei estabelece a obrigação de o empregador celebrarem termo de responsabilidade com os empregados, por meio do qual os empregados se comprometem a seguir as instruções fornecidas pelo empregador (parágrafo único do art. 75-E, CLT).

• Regimes de prontidão e/ou de sobreaviso

A nova lei também estabelece que, no trabalho remoto, o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

• A LGPD se aplica ao Teletrabalho?

Sim, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) se aplica ao teletrabalho. Como o empregado realizará suas atividades fora das dependências da empresa, o controle do uso e acesso às informações, bem como à sua proteção e armazenamento, fica prejudicado.

Desse modo, é importante que empresa faça uma consultoria ou tenha um documento que trate sobre o uso dos dados, tanto dos empregados, quanto pelos empregados na suas atividades.

A não adequação das empresas às normas estabelecidas pela LGPD pode ocasionar penalizações, ficando as empresas sujeitas a:

(i) multas onerosas sobre faturamento acrescidas de multas diárias por dia de infração;
(ii) publicidade por órgão público do descumprimento das obrigações legais;
(iii) condenação em ações de caráter civil, penal ou de outra natureza; e/ou
(iv) sofrer penalidades comerciais ao não atender às condições impostas por potenciais parceiros.

• O empregador pode contratar terceiro para fornecer o vale-alimentação?

Sim, é permitida a contratação de terceiro para o fornecimento de vale alimentação aos empregados. Contudo, o empregador não poderá exigir ou receber descontos sobre o valor contratado ou quaisquer outros benefícios diretos e indiretos que não sejam vinculados à saúde ou alimentação.

• O empregado que reside em Município ou Estado diferente do empregador deverá descansar nos feriados municipais e estaduais de qual local? E com relação ao sindicato responsável?

Ainda que a legislação não trate sobre isso, o atual entendimento é de que o descanso do empregado deve se dar conforme o local da prestação de serviço, independente da sede do empregador ou da residência do empregado.

No tocante a afiliação sindical, o empregado deverá associar-se ao sindicato do local da prestação do serviço, independente do seu local de residência ou sede do empregador.

• Caso o empregado se recuse a voltar para o trabalho presencial, o empregador pode demiti-lo por justa causa?

O empregador deve conceder o prazo mínimo de 15 dias para o empregado realizar a transição para o trabalho presencial. Assim, a demissão por justa causa somente poderá ocorrer caso o empregado aceite a transição e, após período concedido pelo empregador, deixe de comparecer no local da prestação de serviço, caracterizando abandono de trabalho.

• Qual será a tributação do empregado residente em outro país? E o recolhimento previdenciário?

A Lei nº 14.442/2022 não tratou sobre o recolhimento previdenciário e a tributação do empregado que reside fora do Brasil, contudo, há diversos acordos internacionais que versam sobre essa questão.

Em regra, a tributação do empregado será regida pelas normas do país em que o empregador está localizado, porém cada caso deve ser analisado individualmente, pois em alguns países há a possibilidade de a tributação ocorrer conforme as regras do local de residência do empregado.

• Quais são os cuidados que a empresa deve ter para implementar o trabalho remoto, além das questões trabalhistas?

Independente da forma de contratação, é importante tomar outros cuidados como a estipulação de confidencialidade e cessão de obra (seja na forma de propriedade intelectual ou na forma de software), como, por exemplo, firmar com o empregado um termo de confidencialidade e cessão de obra relativo a todo o trabalho desenvolvido, ou fazer constar tais cláusulas no seu contrato de trabalho.

Assim, ficam estabelecidas obrigações que protegem a empresa de eventuais danos garantindo que o resultado do trabalho prestado seja de propriedade da empresa com o uso privilegiado de informações.

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